Impacto da pandemia de COVID-19 em nascimentos, partos vaginais, cesarianas, mortalidade materna, cirurgias eletivas, cirurgias de urgência e mortalidade pós-operatória em uma área metropolitana do Brasil : um estudo de coorte de séries temporais

Abstract

Introdução: A pandemia de COVID-19 provocou impactos profundos nos sistemas de saúde em todo o mundo, especialmente na assistência obstétrica e cirúrgica. As restrições impostas e a reorganização dos serviços afetaram tanto o acesso quanto os desfechos clínicos de pacientes internados para parto ou cirurgia.Objetivos: Avaliar o impacto da pandemia de COVID-19 sobre as taxas de partos vaginais, cesarianas, cirurgias eletivas e de urgência, bem como sobre a mortalidade materna e pós-operatória em hospitais públicos do Distrito Federal (DF), Brasil. Como objetivo secundário, analisaram se também as taxas de cancelamento no dia da cirurgia e as reintervenções cirúrgicas em um hospital público do DF.Métodos: Estudo de coorte com série temporal, incluindo dados de todos os pacientes admitidos para cirurgias eletivas ou de urgência, bem como de todas as mulheres admitidas para parto (vaginal ou cesariana) em hospitais e maternidades do Sistema Único de Saúde do Distrito Federal, Brasil, entre março de 2018 e fevereiro de 2022. Os dados foram extraídos do Sistema de Informações Hospitalares do Ministério da Saúde (SIH/DATASUS) em 30 de setembro de 2022. As análises estatísticas incluíram o uso do pacote CausalImpact (R) para modelagem de impacto causal e o software EZR para análise com escore de propensão (PSM). Também foi conduzido um estudo específico em um hospital terciário do DF.Resultados: Na área obstétrica, foram registrados 150.617 nascimentos. Embora o número total de partos não tenha apresentado variação significativa, observou-se aumento expressivo nas taxas de cesarianas durante a pandemia (efeito absoluto semanal: +18,1; IC95%: 11,9–23,9). A mortalidade materna aumentou significativamente no período pandêmico, com odds ratio de 3,22 (IC95%: 1,53–6,81), mesmo após o pareamento por escore de propensão, sugerindo impacto substancial na qualidade do cuidado materno. Na área cirúrgica, foram analisados 174.473 procedimentos, com redução significativa nas cirurgias eletivas (efeito absoluto semanal: -170,9; IC95%: -232,8 a -112,0) e de urgência (-57,7; IC95%: -87,5 a -27,7) durante o período pandêmico. Apesar do aumento proporcional das cirurgias de urgência (de 53,0% para 68,8%), não houve diferença estatisticamente significativa na mortalidade hospitalar pós-operatória (OR: 0,944; IC95%: 0,870–1,025; p = 0,173). Em um hospital terciário, observou-se uma redução significativa nas taxas de cancelamento no dia da cirurgia durante a fase inicial da pandemia (OR: 0,556; IC95%: 0,448–0,691; p < 0,001), bem como uma queda nas reintervenções cirúrgicas no período subsequente (OR: 0,534; IC95%: 0,390–0,733; p < 0,001), mantendo-se a segurança dos procedimentos realizados.Conclusão: A pandemia impactou negativamente os desfechos obstétricos, com aumento nas taxas de cesariana e da mortalidade materna. Os serviços cirúrgicos apresentaram redução significativa no volume de procedimentos, sem aumento da mortalidade pós-operatória. Esses achados reforçam a importância de implementar estratégias robustas que assegurem a continuidade e a segurança dos cuidados obstétricos e cirúrgicos em cenários de crise sanitária.