Comensalidade digital : a relação humana com a comida mediada pelas tecnologias de comunicação

Abstract

O ato de compartilhar a refeição é conhecido na literatura como comensalidade. Há inúmeras formas de comer junto que podem ser caracterizadas pelo mundo: desde situações cotidianas e festivas, no contexto familiar e noutras relações sociais, à mesa e em outros espaços. Na sociedade virtual, outros modos de partilhar as refeições são percebidos, influenciados pelas tecnologias antes, durante e após as refeições. Com o objetivo de compreender como as relações humanas com a comida ao serem mediadas por tecnologias de comunicação configuram a comensalidade nesta sociedade, esta tese se propõe a investigar este fenômeno por meio de dois estudos. O primeiro, foi uma revisão de escopo que caracterizou os principais achados científicos relacionados às formas digitais de comensalidade no século XXI e identificou possíveis relações entre as práticas de comensalidade e a saúde coletiva. Foram selecionadas 104 publicações que relacionavam comensalidade e tecnologia em todos os contextos. A maioria dos estudos utilizou metodologia qualitativa; era da área de Design e Tecnologia; usava mídias sociais e plataformas de vídeo ou protótipos/aparelhos de realidade aumentada; e se referia às formas digitais de comensalidade com o uso de diferentes termos, o que permitiu uma análise temporal da proposição de definições do fenômeno estudado. No que se refere às questões de saúde coletiva, os estudos relacionados apontaram o seguinte: engajamento familiar/comunitário, desenvolvimento de habilidades culinárias, saúde mental e hábitos alimentares. Já o segundo estudo foi uma netnografia realizada com uma comunidade virtual no Facebook composta por mulheres que compartilham sobre a mesa posta em que se buscou descrever e analisar as formas de comensalidade praticadas por elas presencial ou virtualmente e sua relação com a saúde. Por meio de observação participante, entrevistas e notas de campo, identificou-se que a comunidade se relaciona pelo compartilhamento de fotos das mesas postas e decoradas para as refeições em casa, principalmente para a família. Apesar de gostarem de registrar suas mesas, fotografá-las ocorre antes das refeições, já que o uso de dispositivos móveis durante a partilha da refeição é considerado por elas como violação das boas maneiras à mesa. A prática da mesa posta foi reconhecida como uma hospitalidade e incentivo à comensalidade tradicional, fortalecendo as relações humanas por meio da comida partilhada. Destaca-se que no contexto de pandemia da covid-19, além do compartilhamento das fotos das mesas postas, as mulheres relataram praticar outras formas digitais de comensalidade e reconheceram a importância da comunidade para sua saúde mental durante o período de isolamento. A frequência de mesas temáticas relacionadas aos meses de conscientização para prevenção de determinadas doenças, como o setembro amarelo, outubro rosa, novembro azul, demonstrou ser uma estratégia potente para comunicação em saúde nos lares, tornando essas mulheres multiplicadoras das campanhas. Concluindo, revela a variedade de formas em que a comensalidade tem sido praticada e investigada no que tange à mediação tecnológica, apontando a importância deste fenômeno para a configuração das relações humanas ao comer. Levanta ainda o debate sobre se relacionar tais práticas à saúde coletiva.