Meu pranto, seu canto : correspondências possíveis entre as obras de Carolina Maria de Jesus e Françoise Ega

Abstract

Esta tese dedica-se ao estudo das narrativas autobiográficas das escritoras Carolina Maria de Jesus e Françoise Ega. Analiso os livros Quarto de Despejo (1960) e Diário de Bitita (1986) de Carolina Maria de Jesus, bem como Le temps des madras(1966) e Lettres à une noire (1978) de Françoise Ega. O objetivo é observar criticamente as correspondências literárias entre as obras das duas escritoras a partir de aspectos presentes desde os paratextos das obras, como questões de edição e publicação, à luz de teorias sobre o campo literário, além de outros elementos narrativos: incipit, tempo, espaços, personagens e temas, abordando ainda a construção de identidades narrativas que revelam trânsitos diaspóricos. O que interessa, neste trabalho, é saber como as obras questionam questões de autoria em relação aos campos literários, bem como dialogam com as tradições literárias. Busco também compreender como as condições das autoras - mulheres trabalhadoras, mães e negras - interferem na produção literária, desde a seleção dos temas abordados, passando pela reconstrução de épocas que recuperam e reatualizam experiências traumáticas, pela criação de espaços que denunciam os fracassos de projetos democráticos no Brasil, na França e na Martinica, ao mesmo tempo em que apresentam formas resilientes e criativas de ocupar o campo e a cidade. Todas essas questões são colocadas em perspectiva comparativa a fim de identificar as semelhanças e diferenças entre as obras, as autoras, narradoras e suas realidades. Para subsidiar toda a análise, travo uma discussão sobre os gêneros literários pelos quais as obras transitam, bem como sobre a questão da autoria, que permite traçar horizontes de leitura e nortear as investigações apresentadas nesta tese. Além disso, a observação atenta dos elementos internos da construção narrativa destacados acima atrela-se a questões de gênero, raça e classe, vinculando a construção literária ao seu tempo histórico. Esta tese tanto analisa o objeto literário, em seus aspectos estéticos e poéticos, quanto propõe interpretações da realidade que dele emergem. A pesquisa se debruça ainda sobre como a narrativa literária produzida por Carolina Maria de Jesus no Brasil e a de Françoise Ega, martinicana na França, autoras fora do padrão de classe média masculina branca, conferem corpo e voz literária aos efeitos do empreendimento colonial na contemporaneidade, disputando espaços com outras narrativas de interpretação do Brasil, da Martinica e da França, lugares em que as autoras-narradoras se inserem, revelando afinidades ancoradas na experiência diaspórica.