Desengajamento moral e comportamento antiético de servidores públicos : do diagnóstico à intervenção

Abstract

A cobrança societal sobre a conduta ética de servidores públicos tem se tornado cada vez mais notória, sobretudo pelo advento de dispositivos que conferem transparência e controle de problemas como assédio moral, desídia, corrupção e mau atendimento. Na psicologia e em áreas afins esses desvios de comportamento no trabalho já recebem atenção dedicada, mas ainda prevalecem os estudos diagnósticos (ao invés de intervenções), também limitados pelo uso de método único. O objetivo desta tese foi investigar o papel dos mecanismos de desengajamento moral (MDM) de Bandura no comportamento antiético de servidores públicos brasileiros, em um ciclo completo desde o diagnóstico até a intervenção. No Manuscrito 1 uma revisão com critérios sistemáticos dos 25 artigos empíricos sobre o tema no Brasil revelou

considerável desfragmentação teórica, restrições metodológicas e psicométricas, construindo- se então uma agenda de pesquisa que guiou os manuscritos seguintes. No Manuscrito 2 foi

realizada uma análise de conteúdo categorial temática do material de 26 interrogatórios disciplinares, cedidos por uma corregedoria. Os resultados revelaram seis dos oito MDM nas 410 verbalizações de servidores públicos acusados de infrações. Discutiu-se a relutância em assumir autoria e as distorções dos relatos, com destaque para uso de negação, justificação moral e difusão de responsabilidade. No Manuscrito 3 foi adotado um delineamento misto, em dois estudos empíricos, testando-se o efeito de variáveis individuais e de intervenções para reduzir MDMs. No primeiro, 599 servidores públicos fizeram auto e hetero avaliações de cenários que simularam dois tipos de infração disciplinar (agressão física e fraude documental) e garantiram evidências de validade no desenvolvimento de uma Escala de Probabilidade de Verbalização (EPV) e de uma Escala de Propensão ao Desengajamento Moral (EPDM). Argumentos de reputação caracterizaram a resposta a acusações mais graves, enquanto acusações mais leves foram caracterizadas por normas descritivas, em especial por difusão da responsabilidade. Os fatores das Escalas indicaram sistematicamente um teor moral de invocar as próprias credenciais. Já o segundo estudo foi uma intervenção experimental com 88 servidores, em que se verificou a redução de MDMs, mas independentemente do treinamento recebido. Finalmente, o Manuscrito 4 também foi composto por dois estudos empíricos, em que foram comparadas verbalizações escritas (cenários experimentais) com verbalizações orais de servidores públicos (encontros virtuais). O primeiro envolveu análises lexicográficas de 210

respostas à pergunta aberta nos interrogatórios simulados. Os resultados corroboraram e estenderam os achados do Manuscrito 3, com a identificação de Classes nomeadas como Auto responsabilidade e Assumir o Erro. Considerando a sensitividade do tema, o segundo estudo adotou a forma de um diário de campo com detalhamento logístico e analítico da intervenção com 95 servidores, como aporte metodológico para estudos futuros que adotem delineamento similar. Em conjunto, os achados dos manuscritos empíricos mostraram que em acusações simuladas há predomínio de gerenciamento da impressão para manter imagem positiva, enquanto em acusações reais predominam a negação, a justificação moral e a difusão da responsabilidade. Ainda, os servidores se indignam com a maneira como são retratados na mídia, mas intencionam aprimorar sua conduta ética - o que garante maior espaço para intervenções. A tese discute os problemas característicos do serviço público, assim como o potencial de aplicação a outros contextos de trabalho quando se busca prever, compreender e efetivamente reduzir comportamentos antiéticos via ciências comportamentais.