A mochila está toda rasgada, mas está cheia : as fronteiras da identidade docente na alfabetização em tempo de Covid-19

Abstract

Esta pesquisa tem o objetivo de analisar a constituição identitária docente e os processos emergidos da atuação profissional remota, mediada por tecnologias digitais nos anos iniciais do ensino fundamental – alfabetização – no contexto da crise pandêmica de COVID-19. A investigação é impulsionada a partir dos pressupostos epistemológicos da Psicologia HistóricoCultural como um processo compreensivo que percebe a dinâmica sócio-histórica e cultural em transformação e em interação com o desenvolvimento humano. Sucedendo ao desenvolvimento teórico, constituíram-se também como arcabouços conceituais: os estudos bakhtinianos sobre o dialogismo; a teoria do posicionamento na constituição identitária dos professores como estética de si; e as articulações entre trabalho pedagógico e docência na cultura digital em meio à disrupção ocasionada pela pandemia. Metodologicamente, tem-se o delineamento de um estudo qualitativo que caracteriza uma pesquisa narrativa, com a valorização da experiência vivida, a sequência temporal dos eventos, e o contexto social e cultural em que a narrativa é produzida e contada. Foram estratégias procedimentais: a produção de uma narrativa de escrita coletiva em documento de edição online; a realização de duas rodas de conversa com 12 professoras alfabetizadoras da rede pública de ensino do Distrito Federal, que haviam mediado suas intervenções pedagógicas por meio das tecnologias digitais durante a pandemia, especialmente nos anos de 2020 e 2021. A análise das informações orienta-se mediante os princípios preconizados pela análise temática dialógica. As informações produzidas a partir dos enunciados da narrativa escrita coletivamente e das rodas de conversa foram trianguladas e consolidaram as temáticas que são discutidas à luz dos aportes teóricos: 1) Reinvenção e Desenvolvimento Profissional e Pessoal; 2) Reverberações Socioemocionais; 3) Colaboração e Conexão Humana; 4) Gestão do Tempo; e, 5) Avanço da Fluência Digital das Professoras. É defendida a tese de que a atuação das professoras alfabetizadoras nos contextos de rupturas e transição, como foi o caso da atuação na pandemia, com o atravessamento da discursividade social, resultou na desestabilização e reconfiguração da constituição identitária como estética de si dessas profissionais. Essa desestabilização e reconfiguração identitária manifestaram-se à medida que as professoras enfrentaram a perda da presencialidade física e dos recursos pedagógicos habituais, adaptaram-se ao cronotopo virtual das TDICs, mediaram o ensino remotamente em contextos de desigualdade e construíram novas formas de interação com alunos e famílias. A necessidade de responder aos discursos sociais sobre seu papel e de desenvolver novas competências digitais levou a um reposicionamento profissional e a uma nova estética de si, forjada nos desafios e aprendizados da atuação remota, o que impactou a percepção das próprias capacidades e do fazer docente. Ressaltamos a importância da formação continuada, do acesso equitativo às tecnologias e da valorização profissional para a garantia de uma educação de qualidade em contextos disruptivos. As conclusões do estudo contribuem para a compreensão da complexa relação entre docência, tecnologia e identidade profissional em cenários de crise, ao oferecer subsídios para a formulação de políticas públicas e práticas pedagógicas mais eficazes.