Retratos a meia voz : o discurso epistolar como vibração e presença no cinema de Karim Aïnouz

Abstract

A presente pesquisa investiga as diferentes modalidades do discurso epistolar no cinema de Karim Aïnouz, particularmente em três longas-metragens: Viajo porque preciso, volto porque te amo (2009), A Vida invisível (2019) e Marinheiro das montanhas (2021). O objetivo da pesquisa é mostrar como as formas materiais da epistolaridade mobilizam a memória e a imaginação do espectador, de modo a ampliar o leque de percepções, sensações e sugestões da experiência cinemática para além da identificação emocional e do sentido figurado das ações dramáticas. Ao reconhecer a importância da filosofia do corpo e o papel dos afetos na obra de arte e no cinema, a pesquisa adota uma abordagem fenomenológica inspirada em MerleauPonty; revisita a formulação original de afecções e afetos na Ética de Spinoza; explora as relações entre cinema e os mecanismos de projeção-identificação no pensamento de Edgar Morin; examina os chamados “blocos de sensações” de Deleuze e Guattari, e; descreve a concepção de afetos na perspectiva de teóricos contemporâneos ligados à Guinada afetiva, como Brian Massumi e Eugenie Brinkema. Enquanto o conceito de discurso epistolar remonta aos trabalhos de Janet Altman e Liz Stanley, a noção adotada de figura deriva das obras de JeanFrançois Lyotard, Georges Didi-Huberman e Martin Lefebvre. Essa reflexão teórica fundamenta, por fim, a análise da epistolaridade nos filmes mencionados, sobretudo em suas relações com o filme-diário, o melodrama e o filme-ensaio no contexto mais amplo do cinema de autor contemporâneo.