A irrigação transanal para manejo da disfunção intestinal neurogênica na população pediátrica com espinha bífida : estudo de método misto

Abstract

Introdução: A disfunção intestinal neurogênica, presente na maioria dos indivíduos com Espinha Bífida (EB), leva à constipação e incontinência fecal (IF). Seu impacto negativo na saúde e qualidade de vida (QV) da população pediátrica com EB é inegável. A irrigação transanal (ITA) é uma estratégia de alta adesão, segura e efetiva para proporcionar evacuações regulares, melhorar a constipação intestinal, e promover continência fecal social. Observa-se escassez de estudos sobre a ITA na população pediátrica brasileira, principalmente com abordagem qualitativa. Objetivo: Investigar os resultados funcionais e de QV relacionados ao manejo intestinal com ITA em crianças e adolescentes com EB atendidos no Ambulatório de Intestino Neurogênico (IN) da Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação, unidade Lago Norte, e analisar os resultados encontrados à luz da Teoria de Manejo de Sintomas. Método: Estudo de método misto convergente. A coleta de dados ocorreu entre março e julho de 2023, com a população pediátrica com EB atendida nas unidades Brasília e/ou Lago Norte da Rede SARAH. Participaram do estudo 109 indivíduos e seus responsáveis, treinados para realizar a ITA entre março de 2019 e janeiro de 2023, acompanhados pela equipe do Ambulatório de IN. A amostra qualitativa foi de 27 cuidadores familiares. Os dados qualitativos foram coletados por entrevistas e dados quantitativos a partir de questionário semiestruturado, Escala de Bristol, Índice de Wexner e escala de qualidade de vida relacionada a saúde (QVRS), QUALAS-C (crianças) e QUALAS-T (adolescentes). A análise dos dados ocorreu em 3 fases: análise qualitativa a partir da Análise Temática Reflexiva de Braun e Clarke (2006); quantitativa, estudo transversal, com análises estatísticas descritiva e inferencial; por fim, a análise dos dados de métodos mistos, integrando-se os dados por meio de triangulação com exibição conjunta lado a lado. O arcabouço teórico foi sustentado na Teoria de Manejo do Sintomas, a partir da qual se estruturou instrumento de coleta de dados e análise, em suas dimensões (experiência dos sintomas, estratégias de manejo e resultados) e domínios da enfermagem (pessoal, ambiente, saúde e doença). Resultados: A taxa de adesão foi de 91,7%. Houve redução da IF em 90,7% dos casos; 74% alcançaram a continência fecal social, 76% melhoraram a constipação. A ITA proporcionou evacuações programadas, o que gerou percepção de controle intestinal pelos cuidadores (75,5%), refletindo a sensação de normalidade do funcionamento intestinal. Observou-se melhora da participação social nas atividades escolares, de lazer e relações interpessoais. A alta satisfação dos cuidadores familiares (97%) e das crianças (93,4%) com o manejo intestinal foi identificada em ambas as vertentes do estudo, associada à sensação de liberdade, alívio e controle. O impacto na autoestima, redução do sofrimento, percepção de maior segurança e tranquilidade foram identificados no estudo qualitativo. O uso da ITA impactou positivamente na QVRS, com maior pontuação do QUALAS-T entre aqueles com menor IF e constipação, e relatado pelos entrevistados. Conclusões: A ITA é uma estratégia efetiva, segura e bem aceita para promover o controle das eliminações intestinais, aliviar constipação, alcançar a continência social, melhorar a participação social, com alta satisfação e melhora na QVRS.