Modulação da excitabilidade de vias descendentes sobre o músculo sóleo em resposta à fadiga dos flexores plantares contralaterais

Abstract

A fadiga muscular é definida como redução na capacidade do sistema neuromuscular de gerar força, sendo um fenômeno comum em qualquer tipo de atividade que exija resistência. Responsável por limitações no desempenho humano e causador de lesões, o processo de fadiga pode envolver grupos musculares do membro ipsolateral, assim como do membro contralateral, e até ser observado em músculos não homólogos. Apesar dos mecanismos de fadiga serem exaustivamente pesquisados, poucos trabalhos investigaram o efeito da fadiga não-local gerada nos membros inferiores sobre processos fisiológicos. Neste contexto, com o objetivo de ampliar o conhecimento dos efeitos da fadiga não-local, propõe-se avaliar a modulação da excitabilidade de vias descendentes sobre o músculo sóleo (SO) direito (ipsolateral) após a indução de fadiga nos flexores plantares esquerdos (contralaterais). A amostra do presente estudo foi composta por 12 voluntários (27,58 ± 7,34 anos; 1,67 ± 0,08 m), saudáveis e ativos. Os sinais eletromiográficos (EMG) foram captados por meio de eletrodos de superfície posicionados sobre o SO ipsolateral. Foi realizado um protocolo no qual foram coletados o EMG e o torque de flexão plantar referentes à contração voluntária máxima isométrica (CVM) de ambas as pernas, e a onda V (que reflete a excitabilidade das vias descendentes) do SO da perna ipsolateral em quatro condições: pré-fadiga (PRE), entre as sessões de fadiga (MID), ou seja, que ocorreria 2 minutos após a primeira sessão de indução de fadiga, pós-fadiga (POS) que ocorreria 2 minutos após a segunda sessão de fadiga, e recuperação (REC) que seriam as medidas realizadas após 20 minutos da segunda sessão. Além das ondas V, foram obtidos parâmetros do espectro de potência do EMG do SO ipsolateral, como frequência de potência média (FMD) e frequência de potência mediana (FMN), além do valor eficaz do eletromiograma (Root Mean Square ou RMS). A força supramáxima (superimposed twitch - ST) gerada por estimulação supramáxima do nervo tibial durante a CVM também foi obtida no membro ipsolateral. Os resultados principais deste estudo foram a) a fadiga induzida nos flexores plantares do tornozelo esquerdo demonstrou ter efeito modulatório nas amplitudes das ondas V contralaterais (houve diminuição significativa da amplitude) (p<0,05); b) houve uma recuperação dos efeitos da fadiga contralateral ao longo do tempo; c) a modulação da onda V pela fadiga não-local foi progressiva (aumentou após a segunda sessão em comparação com a primeira sessão) (p<0,05); d) os parâmetros biomecânicos e eletrofisiológicos não detectaram fadiga ipsolateral, indicando que as flutuações da onda V não foram atribuídas a diferentes níveis de atividade voluntária do músculo alvo. Os resultados do presente trabalho sugerem que a excitabilidade das vias descendentes para o músculo SO pode ser modulada agudamente como consequência de fadiga induzida nos músculos flexores plantares contralaterais. Observou-se também que o efeito cruzado é progressivo, mas é dissipado após um período de 20 min.