Os papéis sociais exercidos pelo jornalismo em uma política pública brasileira de acesso à educação superior

Abstract

Esta tese argumenta que o papel social efetivamente exercido pelo jornalismo pode contradizer a ideia concebida pelo próprio jornalista sobre sua atuação profissional. Ao identificar uma aparente falta de correspondência entre papel concebido pelo profissional da notícia e o papel exercido no nível de performance — publicado no conteúdo do noticiário —, a investigação resumida aqui identificou uma prática jornalística: o jornalismo informante da elite política. A tese analisou esta prática discursiva jornalística por meio do estudo da cobertura sobre a edição 2009 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), prova brasileira que é a segunda maior avaliação de acesso à educação superior em todo o mundo. O objetivo da pesquisa foi detectar a ocorrência dos seis papéis jornalísticos descritos na teoria da Performance de Papel Jornalístico de Claudia Mellado (2021): cívico, infotenimento, intervencionista, lealfacilitador, serviço e watchdog. Alinhado a esses estudos, este estudo se orientou por três pressupostos: 1) a detecção de papéis jornalísticos deve ocorrer também no nível da performance, ou seja, no conteúdo do noticiário; pois o papel concebido pelo jornalista pode ser um descritor insuficiente para a identificação do papel exercido por um noticiário; 2) os variados papéis podem co-ocorrer em um mesmo item noticioso; isso porque 3) a notícia é um produto discursivo complexo, resultado da influência de múltiplos fatores intervenientes. Para tanto, foi realizada uma análise de conteúdo manifesto de 331 notícias sobre o Enem publicadas pelos jornais O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e O Globo no período de outubro a dezembro de 2009. Neste período, ocorreu uma crise sem precedentes nos 11 anos anteriores desta política pública nacional de avaliação, deflagrada pela revelação midiática do vazamento do caderno de provas. A detecção dos papéis foi feita por meio de indicadores — variáveis binárias que quantificam a presença de atributos associados a cada papel; por exemplo, opinião, informação sobre movimentos cidadãos, morbidez ou questionamento. A medida de comparação foi o escore médio de cada papel, obtido pela média da proporção da ocorrência dos indicadores de cada papel em cada jornal e no total dos jornais. Os resultados sugerem que ocorreu a seguinte ordem de presença dos papéis na cobertura: intervencionista, watchdog, cívico, serviço e leal-facilitador. Não houve ocorrência do papel infotenimento. A partir dos resultados, houve a formulação do conceito de informante da elite política. Esta prática jornalística descreve uma relação de cumplicidade do jornalista com o poder instituído, na qual o profissional da notícia repassa informação ao governo antes da publicação da reportagem, com o intuito de colaborar com o poder instituído. Considerando o resultado de que 11% da cobertura apresentou um jornalismo leal-facilitador; e que os códigos de conduta dos jornalistas brasileiros não disciplinam explicitamente a relação de informação entre jornalismo e poder; a tese propõe que os veículos e as entidades representativas dos profissionais incluam nas pautas de discussão uma reflexão sobre os limites da relação entre jornalista e poder político.