Práticas discursivas e sociais na relação família-escola-comunidade : da realidade da adolescência ao discurso legal no Brasil

Abstract

O objetivo central é investigar representações linguístico-discursivas, contidas em textos escritos por adolescentes e em dispositivos legais, sobre as práticas de socialização presentes na relação família-escola-comunidade. O enfoque teórico é balizado pela triangulação entre a proposta de Fairclough (2001, 2003), associada à perspectiva da LSF de Halliday (1985, 1994, 2004, 2014) e ao Sistema de Avaliatividade, desenvolvido por Martin e White (2005). A abordagem fairclougheana voltada para a análise de discurso textualmente orientada constitui o caminho teórico-metodológico básico que me permite adentrar o mundo da experiência dos adolescentes, o qual se encontra materializado em textos (relatos de vida de adolescentes). A Linguística Sistêmico-Funcional e o Sistema de Avaliatividade configuram instrumentos paralelos de análise (con)textual. A intenção é buscar sempre o equilíbrio tão almejado, em termos de análise linguístico-discursiva, entre a interioridade da linguagem (gramática) e o lado social (discurso). Esse equilíbrio confere relevo a uma pesquisa de natureza essencialmente qualitativa, além de permitir que se alcancem os objetivos operacionais traçados no seu projeto inicial. Os dados empíricos, gerados em oficinas de letramento com estudantes do Ensino Médio, foram obtidos junto a uma instituição da rede pública de ensino de Santa Maria, no Distrito Federal. Soma-se a esses dados, a análise documental de dispositivos legais que envolvem direitos voltados a crianças e adolescentes, sobretudo o direito à convivência familiar e à proteção integral. A natureza dos dados levou-me a buscar o auxílio da ferramenta computacional WordSmith Tools (SCOTT, 2015), o que me permitiu fazer o levantamento dos vocábulos mais recorrentes, os quais envolveram as temáticas família, professor e rua. As temáticas estão associadas aos principais espaços de socialização dos adolescentes, o que me levou a analisar as principais práticas discursivas e sociais responsáveis pela socialização desses jovens. Os resultados mostram que a relação dos adolescentes com a família de origem sugere um momento de instabilidade familiar, quase sempre associado ao rompimento de laços de convivência entre pais e filhos. Para esses jovens, a ação “trabalhar” [fora do âmbito doméstico], quando envolve o ator “pais” (ou a “mãe solteira”), gera uma série de consequências, entre elas, a rearticulação dos agentes de socialização. Por um lado, a rearticulação é caracterizada aqui como a “entrega” dos filhos para os cuidados de outros. Os adolescentes apontam dois agentes principais: a escola e as ruas. Na escola, a figura do professor é reconhecida por meio de suas ações (ou atitudes), as quais definem um novo papel social próximo a uma espécie de “paternalização docente”, por entender que o posicionamento atitudinal desse ator social sugere o exercício de três funções: oferta de afetividade, apoio moral e educação de qualidade. Por outro lado, as ruas são representadas como um ambiente perigoso por estar inserido num contexto de acessibilidade a drogas e a situações de violência urbana. A tríade instabilidade familiar, violência e drogas são categorias que nasceram dos dados desta pesquisa. A recorrência a essas categorias discursivas mostrou fenômenos que apontam para uma condição de risco ao mesmo tempo em que caminha em direção contrária às normas de proteção integral previstas por leis como o Estatuto da Criança e do Adolescente. Por se tratar de uma pesquisa, realizada com pessoas em situação de menoridade, a tese ora apresentada teve aprovação do Comitê de Ética da UnB, o que contribui para apoiar os procedimentos éticos assumidos. Esta tese significa uma contribuição para a causa da adolescência, sobretudo, daqueles em condição de risco, de maneira que se despertem estudos futuros. Dar “voz” a adolescentes tornou-se o primeiro passo na tentativa de fortalecer a identidade de um grupo massacrado pela violência urbana, pelas drogas e pela ineficácia das leis.