Entre o corpo e a identidade : saberes e práticas médicas no contexto da primeira cirurgia de transgenitalização do Brasil

Abstract

Esta dissertação tem como objetivo analisar as condições epistemológicas e históricas que possibilitaram o desenvolvimento da ideia de transexualidade no pensamento médico brasileiro. Para isso, foi estudado o processo judicial número 799, de 1976, movido pelo Ministério Público de São Paulo contra o cirurgião Roberto Farina, responsável pela primeira cirurgia de redesignação de sexo realizada no Brasil. A operação, realizada em Waldirene Nogueira em 1971, foi denunciada por Luiz de Mello Kujawski, Procurador de Justiça de São Paulo, como lesão corporal, sob o argumento de que teria resultado na mutilação genital da paciente. A partir da análise do vocabulário médico utilizado por Farina em sua defesa, bem como de seus livros e da literatura sobre ciências da sexualidade, mapeei os caminhos percorridos pelo pensamento médico brasileiro na tentativa de conceber e normalizar corpos considerados sexualmente ambíguos. Concluí que três fatores foram determinantes para o surgimento da ideia de transexualidade no Brasil: a disseminação de uma literatura médico-científica internacional, sua apropriação por médicos em hospitais universitários de São Paulo e Rio de Janeiro, e o avanço das tecnologias cirúrgicas que possibilitaram os primeiros processos de transição de gênero.