Infecções sexualmente transmissíveis que causam corrimento uretral em homens : abordagem etiológica como estratégia da política de saúde pública no Brasil

Abstract

Introdução: o corrimento uretral masculino caracteriza-se como um dos sintomas da inflamação da uretra, também denominada uretrite. Quando decorrente de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), a uretrite é classicamente dividida em gonocócica, causada por Neisseria gonorrhoeae (NG), e não gonocócica. Os principais agentes etiológicos da uretrite não gonocócica são Chlamydia trachomatis (CT), Mycoplasma genitalium, Ureaplasma urealyticum e Trichomonas vaginalis. A abordagem sindrômica consiste no uso de algoritmos clínicos para a identificação de grupos de sinais e sintomas facilmente reconhecíveis e que caracterizam uma síndrome, sendo o tratamento instituído conforme a síndrome; porém, apesar de ter sido uma prática muito útil e necessária no passado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) vem desencorajando o seu uso devido a uma série de limitações. Assim, a substituição da abordagem sindrômica pela abordagem etiológica – quando há a pesquisa do patógeno causador da infecção e o manejo clínico do caso conforme o resultado da testagem – é urgente no mundo todo. O objetivo do presente estudo foi analisar cenários, atores e componentes visando a incorporação da abordagem etiológica para o manejo clínico das ISTs que causam corrimento uretral em homens no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), como estratégia da política de saúde pública no Brasil. Métodos: trata-se de um estudo descritivo-exploratório, de abordagem qualitativa e quantitativa, que se apoia na triangulação de métodos, e que tem como fundamento teórico a ciência da implementação. O estudo compreendeu três momentos: I. a análise da qualidade do protocolo nacional para o manejo do corrimento uretral em homens, com base no instrumento AGREE II, e a comparação com as recomendações correlatas da OMS; II. a análise de dados secundários provenientes de questionários respondidos pelos profissionais da gestão e de laboratórios participantes da rede-piloto para detecção molecular de clamídia e gonococo no SUS entre 2021 e 2022 e sua percepção sobre o processo, assim como a determinação da taxa de detecção da infecção por CT e/ou NG entre os pacientes que foram testados na rede-piloto e o exame dos fatores associados à presença da infecção por CT e/ou NG nessa população; e III. a análise de entrevistas semiestruturadas com gestores estaduais de ISTs, profissionais de laboratórios e clínicos (médicos ou enfermeiros), que buscou sistematizar, na perspectiva desses profissionais, as barreiras, os facilitadores e as recomendações em relação àimplantação da abordagem etiológica. Para a análise dessas entrevistas, utilizou-se o Quadro Conceitual Consolidado para Pesquisa de Implementação (Consolidated Framework for Implementation Research – CFIR). Resultados: a análise do protocolo nacional evidenciou pontos importantes que necessitam revisão, sobretudo os itens relacionados à aplicabilidade, à independência editorial e ao rigor do desenvolvimento. Ainda, a comparação do protocolo brasileiro com as diretrizes da OMS indicou itens relevantes a serem atualizados, como os fluxos de diagnóstico e de tratamento, em vista dos dados de resistência do gonococo no país e das recomendações da OMS. Os resultados da implantação-piloto de testes de biologia molecular para detecção de CT/NG no âmbito do SUS reforçaram a importância da disponibilização da testagem,sobretudo para as populações mais vulneráveis às ISTs, com observância das fragilidades identificadas na rede-piloto e aproveitamento das fortalezas. Por fim, a análise qualitativa das entrevistas evidenciou que ainda existem importantes barreiras a serem superadas para que a abordagem etiológica seja uma realidade no âmbito do SUS, sobretudo quanto à disponibilidade de testes rápidos nas unidades de Atenção Primária à Saúde. Também foram identificadas fortalezas nas falas dos entrevistados, que demonstraram prontidão para a mudança, por compreenderem a importância da oferta de um serviço de qualidade à população. Conclusão: o Brasil tem avançado nas ações para a disseminação da abordagem etiológica para o manejo das ISTs que causam corrimento uretral em homens. No entanto, os resultados do presente estudo sugerem que ainda são necessárias mudanças estratégicas para o sucesso da suaimplantação no âmbito do SUS.