Narrativas do agro : sentidos e dissensos de democracia na argumentação da bancada ruralista

Abstract

A presente dissertação teve o propósito de investigar os sentidos de democracia disputados pelos atores da Bancada Ruralista da Câmara dos Deputados. Esses sentidos foram extraídos de projetos legislativos propostos por deputados da Frente Parlamentar da Agropecuária entre a 55ª (2015 a 2019) e a 56ª (2019 a 2023) legislatura. Pretendeu-se responder à questão: De que forma os significados e valores defendidos pela Bancada Ruralista se relacionam a um projeto democrático constitucional? Objetivou-se compreender, assim, as características do projeto democrático defendido nas proposições legislativas de autoria da Bancada Ruralista, através da identificação de associações entre significados democráticos constitucionais e valores neoliberais ou neoconservadores. Os atores do grupo estudado são comumente abordados em pesquisas nas ciências humanas sob um enfoque etnográfico, ou na tentativa de elaborar um perfil socioeconômico dos parlamentares; poucos são os estudos que se ocupam de investigar os sentidos escondidos na argumentação mobilizada por eles. A lacuna de pesquisa encontrada relaciona-se ao encaixe teórico desses significados e valores na descrição da racionalidade neoliberal, feita por autores como Wendy Brown, Pierre Dardot, Christian Laval, David Harvey, e na compreensão de formas antagonísticas de fazer política de Chantal Mouffe. Para atingir o objetivo proposto, foram colhidas as justificativas e pareceres de 65 projetos de lei, além de manifestações de duas entidades representativas dos interesses do agronegócio (CNA e Aprosoja) que totalizaram 135 documentos submetidos à análise. O método de interpretação dos dados coletados foi a análise de conteúdo, através da técnica de análise documental. Fez-se uso do software de análise de dados qualitativos Atlas-TI para sistematização e compreensão das associações feitas nos padrões argumentativos identificados. Os resultados colhidos apontam para a conclusão de que o sentido de democracia defendido é predominantemente neoliberal, e possui seu centro de força na defesa absoluta da propriedade privada. Seus dois pilares de sustentação são a construção de uma cidadania dividida entre indivíduos que se reconhecem como inimigos, e de uma visão de Estado empresarial, financiador de interesses privados. A principal estratégia identificada para fazer valer esses pressupostos com um verniz de democraticidade é um esforço constante de distorção dos significados constitucionais originários, associando-os a significados que se alinhem ao projeto político neoliberal e neoconservador que faz parte do imaginário ruralista.