Medicamentos manipulados : alternativa para lacunas de assistência terapêutica no SUS?

Abstract

A existência persistente de lacunas terapêuticas compromete a segurança do processo assistencial, aumentando a probabilidade de erros de medicação devido à adaptação de tratamentos. É premente uma ampla discussão sobre a superação dessas lacunas, de modo a incentivar a independência tecnológica do país, fomentando, assim, o protagonismo na resolução de suas próprias demandas sociais e do Sistema Único de Saúde (SUS). O presente trabalho foi realizado em duas etapas: (i) Fase I - Identificação de lacunas terapêuticas no SUS e a proposição de estratégias para a mitigação, exposta no Capítulo I, e (ii) Fase II - Avaliação da produção magistral como estratégia para a mitigação de lacunas terapêuticas e de acesso a medicamentos essenciais no SUS, exposta no Capítulo II. Conduzida entre os anos 2020 e 2021, a análise identificou 1.315 medicamentos essenciais, dos quais, 78% atenderam, concomitantemente, aos critérios de comodidade posológica, adequação da apresentação farmacêutica ao público-alvo e protocolos de uso preconizado pelo Ministério da Saúde, sendo considerados medicamentos essenciais em apresentações adequadas. Acrescidos das propostas de inclusão de novas apresentações, totalizou-se 1.144 itens. A disponibilidade comercial desses medicamentos no Brasil foi de 72%. Para os 28% indisponíveis foram propostas estratégias de acesso que variaram desde a incorporação no SUS, aquisição via excepcionalidade de importação, até incentivo à produção nacional via manipulação magistral. Esta última estratégia mostrou potencial para a mitigação de 57% (n=235) das lacunas de acesso existentes no SUS. Destas apresentações, 30% (n=70) foram indicadas como prioritárias no âmbito da assistência ao paciente, sendo avaliada, para estas, a viabilidade de produção magistral. Para 80% dos medicamentos priorizados foi confirmada a viabilidade de produção magistral por possuírem tanto a fórmula padrão pré-definida na literatura, quanto disponibilidade do princípio ativo no mercado brasileiro. Estimou-se a necessidade de um investimento anual de aproximadamente R$ 400,00 per capita para ofertar tratamentos em apresentações adequadas aos usuários do SUS, o que deve refletir na melhoria da qualidade de vida de cerca de 26 mil pessoas anualmente, que, majoritariamente, carecem do uso de medicamentos cuja responsabilidade da aquisição compete ao Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica (CESAF). Observou-se que este valor de investimento corresponde a apenas 3% do orçamento do CESAF aprovado para o ano de 2021. Nesse contexto, é mister considerar a produção magistral, uma factível alternativa, de curto e médio prazo, para sanar as lacunas de assistência terapêutica no SUS.