"E eu não sou uma leitora?" : em defesa da falha na leitura

Abstract

A leitora é uma figura emblemática para a literatura do século XIX. Emma Bovary, de Gustave Flaubert (1856), é responsável por cristalizar, na literatura, a imagem da mulher que lê e, na mesma proporção, se perde e provoca a sua própria ruína. A fim de investigar como é feita a construção de personagens leitoras, propomos uma análise do percurso literário da primeira protagonista feminina do realismo, para compreender o papel da leitura – e de seu efeito julgado pela crítica literária como falho, porque prejudicial – não só para a trajetória da personagem, mas também para a representação de leitoras contemporâneas. Partimos da hipótese de que a Emma Bovary é a precursora – na concepção de Jorge Luis Borges (1952) – de Bella Swan, a protagonista leitora da saga vampiresca Crepúsculo (2009), responsável por reviver o romantismo gótico. Ao investigar as práticas de leitura de Emma e Bella, sugerimos uma análise que leva em consideração três pontos de conexão: (1) a caracterização de ambas como leitoras vorazes; (2) a contraposição entre o realismo e o romantismo delineada a partir da jornada das personagens; e (3) a natureza distinta dos livros lidos pelas protagonistas: literatura de entretenimento e clássicos. Em um terceiro momento, tentamos investigar a relação entre a leitura e seus efeitos na construção de relacionamentos amorosos vividos por mulheres que leem, a partir de uma verificação cuidadosa da constituição do relacionamento entre Bella e Edward, o ideal almejado e jamais alcançado por Emma Bovary. Dessa forma, nesta dissertação, procuramos dar espaço para a reivindicação da possibilidade de exercitar a leitura como um ato falho, negado às mulheres no século XIX e na contemporaneidade também.