“Com duas semanas ele colocou aliança no meu dedo” : meninas esposas na trama dos casamentos infantis no Brasil

Abstract

Dentre 84 países, o Brasil está em 4º lugar no mundo em números absolutos de crianças casadas. O casamento infantil, ato formal ou informal envolvendo ao menos uma pessoa com menos de 18 anos, tem sido endereçado internacionalmente como um dos mais nefastos desdobramentos da submissão das mulheres em sociedades patriarcais. Especialistas têm apontado uma especificidade na realidade brasileira: em geral, se em países africanos ou asiáticos há uma negociação dos pais e da família na realização do matrimônio, por aqui, as meninas decidem elas mesmas pela união. Que “escolha” seria essa? As interseccionalidades de gênero, raça e classe são elencadas como marcadores importantes no destino de quem se casa em tenra idade. Além disso, há caminhos privilegiados no tornar-se mulher ou homem no atual contexto social brasileiro. Para as mulheres, destacam-se as vias amorosa e materna, que configuram certa forma de relacionar-se que as vulnerabiliza. Este trabalho tem como tema central o casamento infantil no Brasil, em especial a análise dos processos subjetivos específicos que permeiam a manifestação desse fenômeno no país. Para isso, são utilizadas as categorias analíticas dos dispositivos amoroso e materno, tendo como objetivo perscrutar o que seria essa “agência” das meninas pela concretização da união com homens. A dissertação foi dividida em dois artigos. No primeiro, houve o esforço de compilar, mediante levantamento bibliográfico e revisão sistemática de literatura, o que já se produziu no campo das Ciências Humanas e Sociais acerca do fenômeno no Brasil, e o que se encontrou foi a escassez de estudos. No segundo artigo, a partir da transcrição de nove entrevistas com meninas casadas, foi realizada análise de conteúdo, sendo elencadas as seguintes categorias: (1) Ser escolhida; (2) Invisibilidade das agressões no casamento infantil; (3) Relações familiares e experiências de violações/violências cotidianas. Casamento e maternidade apareceram, na narrativa das meninas participantes, quase como o único destino possível para enfrentar a pobreza e as violações cotidianas em suas vidas. O Poder Judiciário brasileiro tem se deparado com a repetição de casos dessa natureza, mas ainda não se nomeia o problema como casamento infantil, deixando-o relativamente invisível à sociedade. Desse modo, este estudo se justifica pela necessidade de dar visibilidade ao tema, tanto socialmente quanto no âmbito das Ciências Sociais e Humanas. Recomendase a realização de mais estudos, levando em consideração, por um lado, a complexidade do tema e, por outro lado, a recorrência do fenômeno e a escassez de pesquisas. Faz-se mister compreender quais ações poderiam ser eficazes no enfrentamento da questão. Organizações internacionais apontam o empoderamento das meninas como uma das principais formas de enfrentamento do casamento infantil mundialmente.